sexta-feira, 12 de julho de 2024

Janaína Torres lança o primeiro menu-degustação do Bar da Dona Onça

Experiência proporciona viagem afetiva pela gastronomia das casas brasileiras

Caseirices, brasilidade, apuro e afeto. O primeiro menu-degustação de Janaína Torres – eleita a melhor chef do mundo em 2024 – para o Bar da Dona Onçaconvida a um passeio pelas memórias gustativas e afetivas das casas brasileiras. Do cozido de sete feijões com codeguim, que abre o serviço, até o beijinho com gel de cravo que acompanha o café, revisitamos um Brasil rico em influências culturais mas atualizado com técnica, criatividade e uma notável pesquisa de ingredientes.

O prato Feijões do Brasil, por exemplo, traz sete tipos de grãos que mesclam cores e também sabores de diferentes regiões, como o feijão corujinha, do Acre, o guandu, do Piauí e da Bahia e o mouro criolo, do Rio Grande do Sul. O codeguim potencializa o sabor do caldo e traz untuosidade ao prato, coroado com ervas frescas.

O segundo ato é inspirado nas festas brasileiras e traz uma seleção de salgadinhos: empada de palmito pupunha, risole de moqueca de pesca local, quibe com castanha de caju e bolinha de queijos artesanais brasileiros. Repare que para cada item há um detalhe especial que faz toda a diferença.

O "porco terra nossa", servido com cítricos da época, tucupi e pimenta de cheiro traz a combinação da carne suína com cubinhos de cítricos de diversas cores e níveis de acidez que brincam com o paladar. Mais instigante e saboroso é o capelete de galinha caipira, que traz a massa fresca recheada com a ave e é banhado por um caldo que tem cor e todo o umami de um bom molho de soja – mas é feito com banana-da-terra, surpreendente. Acompanham ainda cubinhos de minimilho tostados, uma combinação que resulta em um belo e reconfortante prato.

A última parada oferece o "arroz de viajante", preparado com um caldo espesso e rico e chega em uma panela de ferro que ao ser destampada revela pedaços de carne, ervas frescas e um ovo com gema mole para serem misturados, como em um bom mexidão. Os vegetais trazem nomes curiosos como a trapoeraba, a bertalha, o picão e a beldroega.

A sobremesa surpreende ao misturar uma musselina de mandioca com chocolate branco, água de coco e creme de nata e faz uma homenagem aos merengues da época de ouro do Centro de São Paulo, região onde a chef cresceu. Encerra a refeição uma seleção de docinhos de aniversário: quindim, beijinho com gel de cravo (para preservar o sabor da especiaria, que é sempre descartada) e brigadeiro sem confeitos de chocolate, como a chef comia na infância, além de bala gelada de coco. São oferecidos guardanapos para quem quiser levar os docinhos para comer em casa, como em uma verdadeira festa de aniversário.

O menu "Abrindo Caminhos" estará disponível até setembro, sempre no jantar, e não precisa de reservas. Basta solicitar ao atendente, que logo estenderá uma bela toalha de Richelieu, que faz parte da experiência, para dar início ao serviço. O menu tem sete tempos e custa R$ 190. Para a harmonização com vinhos, cerveja, cachaça, licores e café, adicione mais R$ 90. O vinho de jabuticaba, desenvolvido por Janaína em parceria com a Cia. dos Fermentados, é uma joia que merece ser experimentada.

Bar da Dona Onça - Av. Ipiranga 200, Centro de São Paulo - Mapinha aqui
Menu-degustação "Abrindo novos caminhos": de segunda a sábado, das 18h30 às 23h
Tel: (11) 3257-2016

FSP, 12.jul.2024, Marcelo Ktsui

Coquetelaria do Brasil

A coquetelaria nacional vem ganhando forma em bares da capital paulista com ajuda de ingredientes brasileiros, cada vez mais comuns nas cartas etílicas.

Entram na composição de drinques frutas nativas como as azedinhas uvaia e cambuci; sementes aromáticas como puxuri e cumaru; e cascas e ervas como o jambu.

Veja a seguir sete endereços em que é possível provar esses sabores:

Amata Club
Com ambiente festivo, a decoração do local destaca plantas da mata atlântica. A carta de drinques inclui o ara-ymã (R$ 44), que combina Amarula, licor de laranja e um bitter feito de cacau. Já o dragon fly (R$ 45) leva rum e calda de cupuaçu, fruta azedinha da região amazônica, além de xarope de pitaia.

R. Cunha Gago, 836, Pinheiros, região oeste, tel. (11)99769-0504, @amata.sp


Cantinho Bar
A casa, prestes a completar um ano, tem trilha sonora, decoração e, é claro, menu que remete ao Brasil. Entre os destaques, há versão de negroni (R$ 36) que leva vermute de jabuticaba e Campari infusionado com a pequena fruta de casca roxa. Já entre as batidinhas de cachaça (R$ 25) de textura espessa há uma opção feita com pitanga, fruta doce e ácida característica da mata atlântica.

R. Frederico Abranches, 160, Santa Cecília, região central, tel. (11) 97235-1873, @cantinhobar.sp


Ella Fitz
Apesar de ser um restaurante mediterrâneo, a carta de drinques tem toques brasileiros inseridos pela bartender Márcia Martins. É o caso do check mate (R$ 42), que leva infusão de rum prata com casca de abacaxi, xarope de guaraná, chá-mate e cítricos. Outro destaque é o get happy (R$ 43), feito com vodca, uva, manjericão e compota de abacaxi com cumaru e puxuri, duas sementes. A primeira, nativa da região amazônica, lembra baunilha. Já a segunda, funciona como uma espécie de noz-moscada brasileira.

R. dos Pinheiros, 332, Pinheiros, região oeste, @ellafitzristoranti


Espaço Zebra
Pioneira quando o assunto é coquetelaria brasileira, a casa é comandada pela mixologista e pesquisadora Néli Pereira. Além de drinques sazonais, há opções fixas como o panache do Davi (R$ 42), que leva cogumelos yanomami, de sabor terroso e com umami. Outra opção é o cupu do combu (R$ 43), com licor de cacau, cupuaçu e limão.

R. Maj. Diogo, 237, Bela Vista, região central, @espacozebra


Exímia
Criado pelo bartender Márcio Silva e pela chef curitibana Manu Buffara tem, entre as sugestões, o Odisseia (R$ 57), com uísque, flor de sabugueiro, palo santo e cambuci, fruta azedinha da mata atlântica. Na carta também há o ameríndio (R$ 51), com rum, pau-brasil e amburana, semente aromática que lembra baunilha.

R. Dr. Mário Ferraz, 507, Jardim Paulistano, região oeste, @eximiabar


Pina Drinques
Para começar, a indicação da casa é o coentrudo (R$ 28), que leva pepino e mix de cachaças com coentro. Já o Pereira (R$ 30), tem suco de uvaia e Campari. O bloody mary aparece em versão com cachaça amburana (R$ 30).

R. Brigadeiro Galvão, 177, Barra Funda, região oeste, tel. (11) 93751-8979, @pina.drinques.


Trinca Bar e Vermuteria

Entre as combinações servidas pelo bar estão o jerez jerez jerez (R$ 47), que leva xerez fino e oloroso, vermute de xerez, cordial de cacau com cumaru e Angostura, e o vermute tinto (R$ 25,90), infusionado com nibs de cacau, erva-mate, cumaru e jurema preta. Na receita jambu e uva, são combinados cachaça de jambu, a fruta e limão (R$ 35).

R. Costa Carvalho, 96, Pinheiros, região oeste, @trincabar.

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Itens antes esquecidos ou nunca considerados entraram para as cartas de restaurantes e bares

Jabuticaba no lugar de alguma berry, limão-capeta como equivalente do siciliano e jambu para dar certa picância. Inusitado? Não para quem anda reparando nas cartas de drinques dos bares em todo país. O movimento de valorização dos ingredientes nacionais na coquetelaria se espalha, cada vez mais, e abre portas para muitos outros insumos substituírem o estrangeirismo das bebidas.

O curso de mudança, porém, não é repentino. Especialistas afirmam que agora há diversificação e evolução no mercado, com novos bares e consumidores mais interessados em coquetéis. A prática também se fortaleceu com o encontro dos profissionais veteranos — ainda ativos — com a nova geração, ansiosa para aprender.

Segundo a mixologista Néli Pereira, o momento é semelhante ao experimentado pela gastronomia há muitos anos. "Hoje, há casas específicas em culinária típica de diversas regiões do país", diz ela, que também é precursora do uso de ingredientes nacionais na coquetelaria.

Em 2022, Néli lançou o livro "Da Botica ao Boteco – Plantas, Garrafadas e a Coquetelaria Brasileira" (Companhia de Mesa), que dá o panorama histórico de como bebidas com funções medicinais deixaram receituários e chegaram aos bares. A pesquisa para a obra foi acompanhada pela abertura do Espaço Zebra, no centro de São Paulo, o primeiro bar com uma carta inteira de drinques pensados a partir de insumos nativos do Brasil.

"Quando iniciei os estudos, em 2012, constatei que não havia locais usando apenas elementos brasileiros nas bebidas. Então, começamos a fazer coquetéis devido à pesquisa dos ingredientes e, desde a primeira carta do Zebra, escolhi apenas itens nacionais", conta ela.

No bar, a mixologista destaca o uso não só de frutas, como também de cascas, raízes, plantas, bagas e ervas. "O principal ingrediente do meu coquetel é sempre brasileiro. Alguns dos que mais aproveito são o araçá, uvaia, jurubeba, casca de catuaba, paratudo, cogumelo yanomami, maxixe e jucá", enumera.

Ela afirma que o cenário ainda está longe do uso ideal, já que muitos itens seguem camuflados em receitas. Mas um avanço começa a ser percebido. "Daqui a algum tempo, os ingredientes brasileiros serão usados como os estrangeiros e terão mais casas especializadas nisso, de fato", diz.

Nova geração

Novos nomes entraram no mercado e já entregam bons trabalhos, segundo o bartender Ale Bussab, sócio do Trinca Bar e Vermuteria. "A nova geração está fervendo, com a típica ansiedade que um jovem tem. Graças à internet, as pessoas conseguem acesso aos mais velhos e podem trocar experiências. Eles têm oportunidade de começar em bons bares e são ativos na pesquisa. Hoje, vejo pessoas com 30 anos —ou até menos— que fazem um ótimo trabalho", diz ele.

Bussab é bartender há sete anos e também cria cartas inspiradas na cultura brasileira desde o início da trajetória. "Passei a ter influência mais regional quando comecei a viajar pela América Latina a perceber o quanto os outros países são ligados aos povos ancestrais. No Brasil, isso não é tão comum e tento levar a ideia para o Trinca, que tem toque brasileiro no conceito da casa e dos coquetéis", explica.

Quem compartilha da mesma reflexão é Caio Baba, proprietário do recém-nascido Cantinho, um bar com referências brasileiras em todo o ambiente. De drinques autorais à decoração e trilha sonora, tudo tem referência ao Brasil e foi estrategicamente pensado. Aos 30 anos, ele se encaixa na parcela do público jovem que abriu um bar especializado em coquetéis e afirma que a nova geração é mesmo interessada.

"A base dos nossos drinques foi criada por um bartender de 21 anos, jovem, mas com muita técnica e conceito por trás. Evitamos usar ingredientes que alterem o sabor das bases, para que elas fiquem mais evidentes. Fechamos a concepção de reforçar insumos brasileiros com uma pesquisa de sabores", afirma Baba.

Segundo Néli, a mixologista Espaço Zebra, os jovens têm onde se inspirar e são mais ligados às brasilidades. "Quando a velha guarda começou na coqueteleira brasileira, não havia muito para quem olhar. Tínhamos o Derivan, mas era — provavelmente — o único. Porém, hoje, já servimos de referência para a geração nova", diz.

Indústria e interesse

Não só os ingredientes nacionais dão liga ao drinque. O tipo bebida alcoólica escolhida também entrou na era de valorização. Segundo a bartender e barista Mari Mesquita, a indústria nacional de destilados está mais desenvolvida. É possível encontrar bons produtos que vão além da cachaça, diz ela. Outro ponto que compõe o cenário é o interesse dos consumidores por um coquetel.

"Muitas pessoas nem considerariam sair de casa para tomar batidinhas e coquetéis de boteco. Só de ter a inserção da cachaça nas cartas de alta coquetelaria, já é um indicativo forte do caminho que estamos percorrendo", diz Mesquita. Ela, que viaja pelo país prestando consultoria em bares, completa que o uso dos ingredientes também varia de acordo com cada bioma.

"Alguns insumos ficam mais restritos aos locais que eles dão, como o mate nas Pampas e o pequi no Cerrado. Embora seja possível encontrá-los em outras regiões, é comum ter mais receitas nos locais em que brotam", finaliza.

FSP, 06.07.24